Caso você tenha ficado intrigado ou intrigada com o título deste artigo, saiba que a tese não é minha, é de Viktor Emil Frankl, psiquiatra austríaco que foi prisioneiro nos campos de concentração nazistas de Theresienstadt, Auschwitz e Dachau entre 1942 e 1945. Frankl é o fundador da logoterapia e análise existencial, escola de psicoterapia que, dentre outros objetivos, proporciona o despertar da consciência para que nos encontremos com o sentido da vida. A LAE, como também é conhecida, foi difundida em todo o mundo e continua crescendo, mesmo após a morte de Frankl em 1997 em Viena, sua cidade natal, aos 92 anos de idade.
As contribuições da logoterapia para o tratamento de transtornos mentais e na educação tem sido notáveis. Já nas organizações, ou seja, nas relações do ser humano com o trabalho, o uso da logoteoria ainda é incipiente, mesmo com várias publicações que comprovam sua relevância neste campo.
No meu último artigo acenei com um dos aspectos importantes da teoria frankliana quando critiquei a definição de saúde mental da OMS. Escrevi sobre a má influência que o uso de bem-estar, como condição para uma boa saúde mental, pode ter para um ser humano que busca uma existência autêntica e permeada por sentido. Até porque, uma pessoa entorpecida, alienada, anestesiada ou extasiada pode experimentar a sensação de bem-estar sem que esteja no melhor de sua condição psíquica. Você pode acessar meu último artigo pelo link na nota de rodapé[1].
Bem, quero dizer que nem Frankl nem eu somos contra a busca da sensação de bem-estar, mas associá-la a uma mente sã é incorreto. O pai da logoterapia escreve o seguinte:
“O homem, ao invés de sossego, necessita de tensão: uma certa tensão, saudável e bem dosada! Algo como aquela tensão que ele experimenta através da exigência de um sentido da vida… Essa tensão não é psiquicamente nociva, pelo contrário, ela promove a saúde espiritual pelo fato de constituir a noodinâmica[2].”
Para compreender a fundo o que Frankl quer dizer, precisamos rever alguns outros elementos da sua teoria. Por exemplo, ele defende que a principal força mobilizadora do ser humano é sua vontade de sentido em oposição à vontade de prazer ou princípio de prazer da psicanálise de Freud[3] e à necessidade de poder da psicologia do desenvolvimento individual de Adler[4].
As teorias psicodinâmicas de Freud e Adler viam a psique com um sistema fechado, onde o ser humano usa o mundo exterior para a satisfação de seus impulsos sexuais ou agressivos, respectivamente, num processo homeostático. A realização do prazer, conforme dispõe a teoria psicanalítica, na verdade surgiria como consequência do encontro com o sentido da vida, mesmo nas passagens mais triviais da existência. A busca pelo poder e superioridade da teoria da psicologia individual, seria, na visão de Frankl, apenas meio ou recursos para serem usados na jornada pela busca de sentido.
A frustração da vontade de sentido leva ao vazio existencial e eventualmente a uma neurose de fundo noogênico[5]. Com dificuldade para lidar com o sofrimento do vazio existencial o ser humano busca por atalhos que o farão reprimir ainda mais esta força mobilizadora primordial. Ele pode passar a levar uma vida voltada apenas para realização de prazeres que acaba desembocando numa neurose sexual ou transtorno obsessivo compulsivo. Outro caminho curto frequentemente percorrido é o de tentar sentir-se superior através de mais poder, desenvolvendo uma compulsão por dinheiro e conquistas materiais.
O ser humano mentalmente saudável de Frankl não se encerra em si mesmo, mas se abre para o mundo, no movimento de autotranscedência descrito pela noodinâmica, mobilizado por aquela tensão que ele sente com a convocação da vida para sua missão, para o cumprimento de um propósito. A frouxidão, a falta de sentido nas demandas da vida, leva ao vazio existencial e ao adoecimento psíquico.
Esta visão de Frankl se encaixa muito bem neste momento histórico que vivemos, onde os índices de depressão, ansiedade e suicídio seguem aumentando, com as pessoas buscando “preencher” suas vidas nas redes sociais e mundos paralelos, afastando-se cada vez mais de si mesmas.
Frankl afirma categoricamente que TODA E QUALQUER VIDA É REPLETA DE SENTIDO, mas nós precisamos nos desenvolver para conseguir despertar a consciência e assim ver o sentido dos acontecimentos colocados diante de nós, na nossa existência. Um destes acontecimentos pode muito bem ser o trabalho, seja ele visto como missão ou não.
Com o trabalho nós temos a oportunidade de praticar valores fundamentais que, segundo a logoteoria de Frankl, promovem a realização do sentido. Os valores mais óbvios, quando se fala de trabalho, são os valores de criação, que se referem ao que o ser humano dá ao mundo, sob a forma de suas obras, de suas criações, daquilo que ele tem de melhor para agregar à sociedade.
Importante que se diga que viver em função de valores de criação não significa ter uma atitude egocêntrica e assim ser mais um a contribuir para a profusão do narcisismo. A orientação por estes e outros valores têm como foco uma palavra-chave: comunidade. Frankl explica da seguinte maneira:
“O trabalho por si só não realiza plenamente o homem, nem garante felicidade. A realização no trabalho é obtida quando a pessoa coloca toda a sua capacidade na obra que realiza em vista da comunidade. Seres que não se sentem satisfeitos com o trabalho profissional não devem pensar que o que está falhando é o tipo de profissão, mas devem buscar em si mesmos a razão dessa percepção”.
(Wagner Rodrigues é psicólogo, psicoterapeuta com abordagem fenomenológica-existencial e LAE. Antes da sua atuação na clínica psicológica teve carreira corporativa com cargos de alta gestão em diversos segmentos)
[1] Saúde mental NÃO é a mesma coisa que bem-estar! por Wagner Rodrigues @LinkedIN.
[2] A dinâmica espiritual dentro de um campo bipolar de tensão, onde um polo representa o sentido que deve ser cumprido e o outro corresponde ao homem que deve cumpri-lo.
[3] Sigmund Freud, neurologista e psiquiatra austríaco, criador da psicanálise. 1856 – 1939.
[4] Adolf Adler, médico, psicólogo e filósofo austríaco, criador da psicologia do desenvolvimento individual. 1870 – 1937.
[5] A neurose noogênica origina-se na dimensão noológica (do grego noos, que significa “mente”) da existência humana, não na dimensão psicológica. Este termo logoterapêutico denota sua conexão com o núcleo “espiritual” da personalidade humana.