O aumento de afastamentos acidentários por transtornos mentais no trabalho[1] (111% na comparação de 2021/2022) tem preocupado muito uma grande parte das empresas e, evidentemente, tem sido um ponto de muita reflexão por parte dos profissionais de recursos humanos. Os impactos do trabalho na saúde mental é pauta constante também nas ponderações de millenials e genzers[2] no momento de escolher seu empregador e até mesmo a carreira, e a opinião deles não é pouca coisa, pois hoje representam mais de 70% da força de trabalho no mundo.
Estas preocupações das organizações e das pessoas não são nada recentes, mas para onde elas têm nos levado? Será que estamos evoluindo satisfatoriamente na direção de ambientes psicologicamente seguros nas empresas e de fazer com que as pessoas entendam que é possível ter uma relação mentalmente saudável com o trabalho?
Acho que antes de tentar responder a esta pergunta precisamos ver se sabemos o que significa uma boa saúde mental. Nesta matéria, a primeira fonte que vêm à mente é a OMS[3], mas a entidade no topo da hierarquia das instituições de saúde no mundo tem uma definição que deixa margens para interpretações errôneas, para dizer o mínimo. Vejamos:
Saúde mental é um estado de bem-estar no qual o indivíduo é capaz de usar suas próprias habilidades, recuperar-se do estresse rotineiro, ser produtivo e contribuir com a comunidade. – OMS
Eu começo o questionamento desta definição logo pela primeira frase.
O que é bem-estar afinal de contas? No dicionário Michaelis online consta que bem-estar é:
1) Estado de boa disposição física; satisfação das necessidades físicas e espirituais; 2) Sensação agradável de segurança, conforto, tranquilidade e 3) Condição material confortável, com haveres suficientes para a comodidade da vida; conforto material, prosperidade.
Bem, com estas descrições não há dúvidas de que bem-estar é uma coisa boa e não faria mal algum almejá-lo, mas em se tratando de uma sensação prazerosa que pode ser obtida por meios artificiais, como por exemplo, o uso de substâncias lícitas ou ilícitas, acho que bem-estar está mais para uma resposta de alívio de sintomas do que um indicador de saúde mental.
Claro que a definição da OMS deve ser analisada no seu conjunto e não mutilada frase a frase ou palavra a palavra, mas a verdade é que as empresas e a sociedade, de uma forma geral, se sentem validadas pelo conceito de bem-estar para usar “atalhos” com foco em sintomas ao invés de criar mecanismos para ampliar a consciência das pessoas em relação às causas. Por isto ainda vemos investimentos em sessões de massagem, aplicativos de meditação, dicas de alimentação saudável e cartilhas de exercícios físicos como parte de “programas” de saúde mental. E como agem as pessoas? Acho que o pensamento dominante é: “se eu estiver me sentindo bem, que mal tem?” Afinal de contas, se senti alívio daquela ansiedade que me corroeu o dia todo enquanto eu corria na esteira da academia, então os exercícios físicos estão funcionando…pelo menos até o dia seguinte.
Em hipótese alguma estou menosprezando os benefícios das massagens, meditações, alimentação saudável e exercícios físicos. Atividades como estas devem ser mantidas nos programas das empresas porque proporcionam vários benefícios à saúde e inclusive são importantes auxiliares durante um processo psicoterapêutico. Entretanto, concentrar-se apenas nisso é a mesma coisa que tomar analgésico para dores de cabeça frequentes sem fazer uma tomografia.
Eu quero lembrar os leitores, sejam eles representantes de si mesmos ou de empresas, que saúde mental passa por confrontos. Isso mesmo, por diálogos com o sofrimento que na maioria das vezes não são nada prazerosos, mas são necessários. Em resumo, se trata do desenvolvimento pessoal como meio protetivo para não adoecer. É assim que funciona na psicoterapia, como processo individual, e deveria ser assim nas empresas, com os programas que cuidam da gestão da saúde mental dos colaboradores.
No meu entendimento a saúde mental não é resultado da ausência de angustia e tristeza, mas da forma como estou preparado para lidar com estes sentimentos, ou seja, o que aprendo com eles para fazer as mudanças necessárias na minha vida. No caso das organizações equivaleria perguntar o quanto elas estão dispostas a rever seus perfis de liderança, suas avaliações de desempenho, suas políticas de saúde dentre outros aspectos de sua gestão.
Eu poderia ir além com a análise da definição de saúde mental, falando sobre produtividade e comunidade, mas vou deixar estas reflexões para um outro artigo. Vou parar por aqui deixando o leitor pensar sobre uma frase de Viktor Emil Frankl, psiquiatra e neurologista austríaco, pai da logoterapia.
“A tensão, evocada por um sentido a preencher, é inerente ao ser humano e é indispensável ao seu bem-estar mental.”
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[2] Geração Z – nascidos após 1996.
[3] OMS – Organização Mundial da Saúde.